Por Taís Seibt*
Mal tinha passado a ressaca do 1º Cerveja com Dados em POA e a Marília Gehrke me desafiou para, juntas, colocarmos na rua o bloco do Open Data Day, evento mundialmente mobilizado pela Open Knowledge para promover conhecimento sobre dados abertos e conscientizar população e governos sobre transparência pública. Em três semanas, com um Carnaval no meio, conseguimos novamente juntar palestrantes, mediadores e público mais do que qualificado para fazer o sábado valer a pena na Unisinos Porto Alegre.
Cerca de 60 pessoas acompanharam a programação, iniciada com um painel sobre como rastrear o dinheiro público, um mix de cinco experiências sob diferentes prismas e muitas dicas para ficar de olho em como nossos governantes andam gastando o dinheiro de nossos impostos.
Começou com o advogado Bruno Morassutti, que se debruçou sobre o consumo de água de órgãos públicos, passou pelo jornalista Marcel Hartman, que revelou como o fundo partidário foi usado na campanha de 2018 no RS, e teve ainda o trabalho de formiguinha do técnico em edificações Carlos Martins no Observatório Social de Porto Alegre para acompanhar contratos de obras públicas de manutenção na capital gaúcha.
Veio então a fala do auditor do Tribunal de Contas do Estado Valtuir Nunes para mostrar as funcionalidades do portal do TCE, que permite desde consultas intuitivas para o cidadão até acesso a dados abertos para os mais “entendidos”, como ele disse, um manancial de dados sobre todos os municípios do Rio Grande do Sul. Quem fechou a rodada foi Bruno Pazzin, falando sobre o projeto Serenata de Amor, que usou inteligência artificial para conferir reembolsos da Cota para Exercício da Atividade Parlamentar — indevidamente direcionados ao pagamento de almoços de assessores, entre outros descaminhos.
A mediação ficou a cargo do professor da UFRGS Marcelo Träsel, que ainda contribuiu com dicas de cursos e tutoriais gratuitos online.
Uma rodada dominada por homens, como observado por diegorrcc no Twitter. Concordamos. Foi menos por falta de opção e mais por indisponibilidade das convidadas — além de uma certa falta de tempo hábil para fecharmos a programação. Como mulheres pesquisadoras, profissionais da área e ainda no papel de organizadoras do evento, também queremos representatividade.
Krishna Predebon, técnica do IBGE que destrinchou ferramentas do portal para mapear desigualdades, deu mais cor à nossa tarde de estudo e discussão. Tendo como ponto de partida justamente dados sobre mulheres no mercado de trabalho, Krishna deixou todo mundo querendo aprender mais sobre o Sidra, o que agora é possível com cursos à distância oferecidos pelo IBGE.
Para terminar, a professora da Unisinos Luciana Kraemer mediou uma rodada de apresentações rápidas de cases — e angústias? — de gente que trabalha com dados. A professora Edimara Mezzomo Luciano, da PUCRS, mostrou como dados abertos podem ajudar a tornar nossas cidades e governos mais “inteligentes”. O assunto teve eco na fala de Luzia de Moura, formada em administração pela UFRGS com TCC sobre blockchain como ferramenta para a administração pública — realidade muito distante das nossas administrações, mas que poderia eliminar atravessadores, dando mais credibilidade e celeridade a uma série de processos, inclusive as eleições.
Outra dobradinha interessante foi entre os professores da UFRGS, Felipe de Oliveira, e da Uniritter, Francisco Amorim, que falaram sobre êxitos e dificuldades do ensino de jornalismo de dados na faculdade. A busca por um modelo mais transversal de formação dos futuros jornalistas, apesar das amarras curriculares, é o caminho desejável.
O jornalista Felipe Faleiro compartilhou a experiência de desenvolver reportagens com uso de dados em jornais do interior, rompendo com a ideia de que isso é algo distante de quem vive ou trabalha em cidades pequenas. Atuando em Ivoti, uma cidade de pouco mais de 20 mil habitantes na encosta da serra gaúcha, Faleiro está sintonizando com o propósito do evento e o nosso propósito: ampliar o conhecimento público sobre o que nossos governos fazem com nosso dinheiro e o que nossas cidades, bairros e ruas precisam para alcançarmos um desenvolvimento mais igualitário.
Encontros assim, ainda mais num sábado com cara de preguiça, renovam nossas energias para seguir trabalhando e pesquisando este tema. Mas principalmente, para seguir reunindo e ampliando esta comunidade que começa a se formar em Porto Alegre. Não vamos parar por aqui. O ano no Brasil recém começou. E pelo que vimos antes mesmo do enterro dos ossos, temos muito o que fazer.
PS — Tivemos live das palestras da manhã em nosso evento no Facebook. Ao longo do dia, eu e a Marília tuitamos drops da programação em nossos perfis no Twitter e os participantes também compartilharam impressões com a hashtag #oddpoa. O Portal Mescla, da Escola da Indústria Criativa da Unisinos, também esteve presente fazendo cobertura. E aqui estão as apresentações que os palestrantes usaram no evento.
*Taís Seibt é jornalista, professora da Unisinos e doutora em Comunicação pela UFRGS