Informação e desinformação na Amazônia

Por Taís Seibt*

A política de redes sociais ilimitadas, que condiciona muitos usuários de internet móvel no Brasil a consumir apenas conteúdos que circulam nessas plataformas, vem sendo criticada por pesquisadores de desinformação.

Aí vem a jornalista Elaíze Farias, da agência Amazônia Real, contar que só consegue entrevistar indígenas em certas comunidades graças ao WhatsApp: ela manda uma pergunta de manhã, eles respondem à noite, quando conseguem sinal em pontos mais altos, e assim se constrói uma comunicação em lugares em que a telefonia fixa não chega e o acesso por terra não existe. É o mesmo princípio da Mídia Índia, criada pelo indígena Erisvan Bone, formado em jornalismo na Universidade Federal do Maranhão (UFMA). Hoje são 10, mas ele trabalha para instruir mais jovens indígenas sobre como fazer uma boa foto ou um vídeo de qualidade para mostrar a realidade das aldeias ao mundo, usando as redes sociais.

Os relatos, compartilhados esta semana no painel “Cenário regional da (des)informação”, durante o Encontro Anual da Internet Society Brasil (ISOC Br), em Manaus, reforçam que educar para as mídias digitais pode ser mais eficiente do que restringi-las. É um dos aprendizados que trago da passagem mais recente pelo norte brasileiro.

Desde 2013, tenho ido quase anualmente a algum ponto do outro extremo do Brasil, a convite de universidades ou empresas, para dar cursos e palestras. Sempre retorno com a sensação de que mais aprendi do que ensinei. Não foi diferente desta vez.

Manaus recebe esta semana o 9º Fórum da Internet no Brasil, promovido anualmente pelo Comitê Gestor da Internet no Brasil (CGI.br) desde 2011 como atividade preparatória para o Fórum de Governança da Internet (IGF), evento global promovido pela Organização das Nações Unidas (ONU). No Dia Zero, organizações locais são convidadas a organizar atividades alinhadas aos temas do Fórum, conforme os interesses regionais. Uma delas, foi o Encontro Anual da ISOC Br, que teve duas sessões na terça-feira, 1º de outubro. Estive lá a convite de Jéssica Botelho, pesquisadora do Núcleo de Estudos e Práticas em Cibercultura, que moderou a mesa. Além de Elaíze e Erisvan, também participaram Karla Pereira, do Instituto de Computação da Universidade Federal do Amazonas (UFAM), e Patrícia Alvez, da Recode, que trabalha há 24 anos com empoderamento digital em sete países.

O convite da Jéssica foi claro, eles queriam que eu falasse sobre meu tema de pesquisa na tese (vocês sabem, fact-checking e desinformação). Mas falar sobre esse tema no cenário regional da Amazônia era algo que estava fora do meu alcance.

Então, fiz a minha parte falando dos conceitos gerais — e da falta de um conceito — para compreender a desinformação. Fechei minha fala com uma série de perguntas sobre como podemos nos posicionar como cidadãos diante dos desafios e potencialidades que as redes nos apresentam, com as devidas ressalvas a diferenças regionais relevantes.

Contei alguns episódios, como o do pajé de Manaus que me adicionou no Facebook depois de uma visita à aldeia. “Normal”, cochichou Elaíze enquanto eu falava. Naquele meu primeiro contato com esse outro Brasil, eu não passava de uma estrangeira na região, carregada de pré-conceitos. Depois andei pelo Pará, pelo Acre (com direto àquela piada de mau gosto que ouvimos sempre que se fala do Acre aqui no Sul), por Rondônia, e fui entendendo melhor o que Elaíze expressou naquele cochicho.

É claro que continuo sendo uma estrangeira por lá, mas minhas passagens esparsas costurando relações na região amazônica representam a desconstrução de um misto de olhar romântico e exótico sobre a Amazônia, que predomina entre nós, sulistas, expostos a preconceitos regionais históricos que não convém repetir. Romper com esse olhar, a partir de uma visibilidade real da região, foi a provocação que deixei para os colegas de mesa, que complementaram com grandeza, dando exemplos como os que citei na abertura deste texto.

Fecho com a observação da pesquisadora Karla Pereira, que estuda alternativas de inteligência artificial para ajudar na identificação de conteúdo nocivo nas redes: desinformação é um problema multifatorial, e exige medidas multidisciplinares de combate. Eu acrescentaria que as soluções também podem ser múltiplas, variando conforme o contexto. Não há fórmula padrão. O que tem sido uníssono em muitos debates nos diferentes lugares é que precisamos construir uma cidadania digital.

Que encontros como o de Manaus se multipliquem para inspirar mais desconstruções.

Vocês podem ver a íntegra do painel da Isoc Br no vídeo. O Fórum da Internet no Brasil também transmite a programação ao vivo.

*Taís Seibt é jornalista, professora da Unisinos e doutora em Comunicação pela UFRGS

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