Por que o fact-checking precisa, sim, de etiquetas

Por Taís Seibt*

Não é de hoje que as etiquetas usadas em conteúdos de fact-checking me despertam reflexões e questionamentos sobre a prática de verificação e seu impacto no debate público. Recentemente, em um treinamento online da Agência Lupa, até a diretora de conteúdo, Natália Leal, que ministrava o curso, deu uma “corneteada”, como se diz aqui no RS. Virei a chata das etiquetas? Ela garantiu que não, no chat da turma. Eu reconheço que sim. Mas episódios recentes me fizeram mudar de ideia sobre a necessidade dessas marcações.

A newsletter do Farol Jornalismo desta semana recuperou uma conversa informal minha com o editor da news, Moreno Osório, em 2018 (edição #188 da NFJ), quando eu estava em pleno desenvolvimento da tese de doutorado – sobre fact-checking. Era um período em que eu me questionava profundamente sobre as “certezas” dos fact-checkers ao etiquetar uma informação. Como escrevi anteriormente:

Esse papel de “árbitro da verdade” trouxe mais problemas do que soluções para a afirmação do fact-checking. No período da pesquisa, a tarefa de classificar afirmações com selos nem sempre foi consensual entre repórteres e editores: em vários casos, a mesma apuração resultou em duas ou três classificações diferentes, dependo do jornalista que fazia a leitura. (Leia aqui)

Sem dúvida, isso é um problema, e foi isso que me levou a questionar se o fact-checking precisa mesmo de etiquetas – e quais etiquetas seriam mais precisas para classificar a (falta de) veracidade das informações na internet. Mas isso era 2018, 2019, e o mundo era outro. Estamos em 2020 e a desinformação entrou em uma nova era. A infodemia que se alastra junto com a pandemia de coronavírus colocou essa conversa em outro patamar. Até mesmo no mundo das plataformas.

Primeiro, o Twitter excluiu posts de Jair Bolsonaro que continham desinformação. É bem significativo. Depois, o Instagram colocou uma tarja “falso” em stories do presidente, com base em uma verificação da Agência Lupa. E esse segundo movimento, na semana passada, foi fundamental para que eu chegasse até aqui para dizer agora o oposto do que eu disse antes. O fact-checking precisa, sim, de etiquetas. 

Acompanhando pesquisadores internacionais que estudam o tema há muito mais tempo do que eu, caso de Lucas Graves, por exemplo, que foi uma das referências centrais da minha pesquisa realizada em 2018, tenho defendido que um dos potenciais impactos do fact-checking na democracia é constranger pessoas públicas “pegas na mentira”. Se a rede social simplesmente deleta um post, como fez o Twitter, ainda que mediante alerta de fact-checkers, esse efeito é limitado. Agora, se a plataforma mantém o post público com uma tarja visível no próprio post, aí sim.

Um dos grandes desafios da verificação é o alcance. Sabe-se que os conteúdos de checagem não circulam nos mesmos lugares e não atingem necessariamente as mesmas pessoas que recebem desinformação, como mostram estudos feitos por Jason Reifler nas eleições de 2016, quando Donald Trump foi eleito nos EUA. Por isso, sinalizar a desinformação na origem é um movimento interessante para ampliar o alcance da verificação. E não seria possível comunicar a desinformação nesses espaços sem o uso das etiquetas.  

O efeito pode ainda ser limitado por questões ideológicas ou cognitivas, que vão além do fact-checking. Não se combate negacionismo apenas com checagem de fatos, isso é outra conversa. E também é preciso ainda desenvolver alternativas para o WhatsApp, que segue uma lógica distinta de disseminação de conteúdos em mensagens privadas e tem sido muito eficiente em campanhas de desinformação (em tempo, o Aos Fatos colocou a robô Fátima em ação no aplicativo). 

Acima de tudo, se houver mesmo um movimento das plataformas em direção à etiquetagem de desinformação nos seus espaços, a partir do trabalho de fact-checkers, isso exigirá dos profissionais ainda mais rigor nos métodos, transparência nos procedimentos e critérios, muito comprometimento ético e, o mais difícil, segurança social para o trabalho. 

*Taís Seibt é jornalista, professora da Unisinos e doutora em Comunicação pela UFRGS, com pesquisa sobre fact-checking