Por Airton Stein*
O SUS tem um histórico de programas de saúde pública muito bem sucedido. O manejo da Zica, o ineditismo de ações da AIDS, o controle do tabagismo no país e o programa de imunização foram todos programas eficazes e inovadores que firmaram os serviços de saúde brasileiros como referência e modelo para o mundo. A Estratégia de Saúde da Família também é uma referência importante e tem sido primordial para o fortalecimento da atenção primária do SUS. A experiência brasileira com agentes comunitários foi citada em artigo na Lancet como exemplo inspirador para o sistema de saúde inglês no manejo da pandemia. Nos municípios em que o sistema de atenção primário estava bem organizado, a epidemia foi mais bem controlada.
Com este histórico de experiências em saúde pública, havia uma expectativa que o SUS pudesse estar preparado para enfrentar a crise sanitária da Covid-19 de uma forma efetiva. No entanto, o desfecho não está sendo adequado diante da complexidade da pandemia, que apresenta uma serie de interfaces e exige uma coordenação nacional. Segundo o Plano de Enfrentamento à Covid, da Associação Brasileira de Saúde Coletiva (Abrasco), as interfaces clínica, epidemiológica, tecnológica, econômica e política da pandemia exigem modos de intervenção diversos, como imunização, tratamento de pacientes, vigilância e controle de casos, proteção social – para minimizar impactos econômicos – e mobilização política.
A pandemia reforçou uma série de aprendizados para a gestão pública, destacando a eficiência das redes de atenção primária para o monitoramento de pacientes com Covid-19. Certamente o SUS mostrou a sua relevância e enfatizou que um sistema de saúde universal é uma estratégia essencial para diminuir a iniquidade da população. Na grande maioria dos municípios, houve um investimento na estrutura deste setor, essencial para um ecossistema de maior proteção social.
Um ponto de pauta recorrente na mídia foi a ampliação da infraestrutura dos hospitais. Foram incorporados no sistema 10 mil novos leitos de Unidades de Terapia Intensiva (UTIs), que antes tinha 17,9 mil vagas. A manutenção desta estrutura, no entanto, nem sempre será possível por causa da crise econômica que vem a reboque da crise sanitária.
A expansão do SUS como resposta à pandemia de coronavírus pode ajudar a reparar algumas falhas históricas do atendimento, mas para isso é preciso reflexão e planejamento. O investimento não deve ser somente em “tecnologia dura” – em expansão de hospitais e grandes compras que trazem grande visibilidade midiática para os gestores. Num país de baixa e média renda, tecnologias de baixo custo têm que ser prioridade, como o uso de agentes comunitários e a valorização do distanciamento social. Esse tipo de ação, com caráter preventivo, pode evitar a necessidade de internações e hospitalizações e, assim, trazer benefícios substanciais ao sistema de saúde e à população como um todo.
*Airton Stein é professor titular da Universidade Federal de Ciências da Saúde de Porto Alegre (UFCSPA) e médico da Família e Comunidade do Grupo Hospitalar Conceição (GHC). O artigo foi originalmente publicado pela Agência Bori.