Brasil carece de dados biofísicos e socioeconômicos sobre Amazônia, diz pesquisador do Imazon

Por Rossana Silva

Todos os meses, o Instituto do Homem e Meio Ambiente da Amazônia (Imazon) divulga o Boletim do Desmatamento da Amazônia Legal. A organização, criada em 1990, em Belém, no Pará, tem um dos únicos sistemas de monitoramento independentes da floresta. O pesquisador associado do Imazon Carlos Souza Jr., que coordena o programa de Monitoramento da Amazônia, fala sobre a importância de a sociedade ter informações disponíveis sobre o desmatamento do bioma. “Com várias fontes de dados, você começa a ter uma informação muito mais sólida”, explica. Para ele, há riqueza de dados de satélite coletados e analisados por diversas organizações na Amazônia, mas o Brasil ainda carece de dados biofísicos e socioeconômicos para entender a floresta.

Na entrevista a seguir, ele também fala da importância de que os dados produzidos sejam informados à sociedade e, particularmente, às escolas, onde podem atuar na formação de uma consciência ambiental. “O ideal é que as pessoas possam chegar ao supermercado, escanear um produto e saber a origem dele e que tipo de pegada ambiental gerou”, afirma. Veja a entrevista e acompanhe o trabalho da Imazon pelo site e redes sociais.

O Imazon é responsável pelo SAD, um dos únicos sistemas de monitoramento independente da floresta. Como ele funciona?

O Sistema de Alerta de Desmatamento (SAD) é uma ferramenta de monitoramento da Amazônia baseada em imagens de satélites, desenvolvida pelo Imazon em 2008, para reportar mensalmente à sociedade o ritmo da destruição da floresta. No SAD, informamos as áreas desmatadas, ou seja, conversão total para outra cobertura e uso da terra, e as áreas com degradação florestal, um processo associado à extração de madeira ou queimadas que levam a redução da biomassa florestal e da sua biodiversidade. Para isso, utilizamos atualmente os satélites Landsat 7 (sensor ETM+), Landsat 8 (OLI), Sentinel 1A e 1B e Sentinel 2A e 2b (MSI). O Sentinel 1 permite ainda monitorar através de nuvens, usando imagens de radar. Isso aumenta a capacidade de monitoramento no período de chuvas, quando o desmatamento diminui na região. Combinando esses satélites, é possível  detectar áreas de desmatamento a partir de 1 hectare e voltar a enxergar a mesma área a cada 5 a 8 dias. Com isso, o SAD prioriza o processamento de imagens adquiridas na última semana do mês para produzir o boletim mensal. 

Os dados obtidos pelos sistema de monitoramento de satélite não diferenciam o desmatamento legal e ilegal. Como é feita essa análise e a produção de dados?
Para fazer essa diferenciação, é preciso combinar as detecções de alertas com autorizações de desmatamento emitidas por órgãos federais, estaduais e municipais. As autorizações emitidas por órgãos estaduais não estão em sistemas de dados que podem ser cruzados com as imagens de satélite a tempo de fazer um monitoramento mensal. No entanto, o Imazon integra a iniciativa Mapbiomas Alerta, que faz este tipo de cruzamento de bases de dados anualmente para estimar a proporção da ilegalidade do desmatamento.

Quais os principais desafios para a produção de dados confiáveis e atualizados sobre a floresta?
No campo de monitoramento baseado em satélites, nós temos muitos dados. Os satélites coletam os dados, e nós fazemos o tratamento, a extração da informação. Esses processos estão muito bem consolidados e têm uma transparência muito grande. Primeiro, porque os dados de satélites que utilizamos são de domínio público, abertos para qualquer instituição usar. São da NASA, do satélite CBERS, que é uma cooperação do Brasil com a China, e da Agência Espacial Europeia. Esse é um ponto importante para a confiabilidade. Outro ponto tem a ver com o tratamento, o processamento do dado. Existe também muita transparência, porque os algoritmos que aplicamos estão publicados em revistas científicas e são códigos abertos. Então, é possível replicar o método, o que é muito importante para a ciência. Por isso, eu considero o monitoramento por satélite umas das áreas mais avançadas nos quesitos de disponibilidade e acesso a dados e de produção de informações. 

Agora, na área dos dados biofísicos, tem muita carência de dados de campo e de informações. Não há dados confiáveis na escala da Amazônia. Geralmente, são estudos muito localizados, principalmente na área de biodiversidade. No caso do estoque de carbono, outro exemplo, temos bons inventários florestais e iniciativas locais, mas a extrapolação gera incertezas na escala da Bacia Amazônica. Então, ainda precisamos ter um esforço muito grande para o levantamento de dados biofísicos e socioeconômicos se quisermos entender a floresta como um todo. São levantamentos mais onerosos e demorados, por isso o investimento em pesquisa básica é importante, em projetos de universidades.

Qual a importância de monitoramentos independentes de dados da floresta, como o que é feito pelo Imazon, diante das atuais políticas do governo federal?
O ponto central é garantir que nós vamos ter informações disponíveis para a sociedade sem depender de momentos políticos. Sabemos que as instituições governamentais que fazem os levantamentos com uma abordagem técnica e científica têm um compromisso muito grande para gerar as informações. Só que essas informações podem ter um contexto político que não favorece o governo. Então, é possível criar uma pressão positiva para a transparência no lado governamental. Se as instituições estatais não gerarem os dados, terão outras instituições que vão gerar, nacional e internacionalmente. Não existe só uma ou outra fonte alternativa de dados, existem várias outras fontes. Isso cria uma condição em que o governo não pode divulgar a informação só quando for conveniente. O trabalho de instituições independentes é importante para comparar experiência. O que indicam as várias fontes de dados sobre a Amazônia atualmente? A tendência do aumento do desmatamento, isso é incontestável. Com várias fontes de dados, você começa a ter uma informação muito mais sólida. 

Que fatores podem pressionar o Brasil pela produção de dados atualizados sobre a Amazônia? Cúpulas, tratados? Que tipos de pressão eles podem exercer?
Quando o Brasil se compromete com tratados, com a Cúpula do Clima, são criadas metas. E essas metas precisam de indicadores, que são monitorados. Então, o Brasil precisa ter suas próprias referências de dados e informações para acompanhar isso, para se posicionar nessas negociações. Se não, vai ficar sempre sujeito às informações geradas externamente. O trabalho das instituições governamentais nesse sentido é muito relevante para a questão de planejamento e de gestão de recursos naturais. Na Pan-Amazônia, por exemplo, existem países que ainda não têm suas estatísticas oficiais de desmatamento, que vão estar sempre dependendo de estimativas de órgãos não-governamentais e Universidades, dados externos. Então, esse comprometimento com as cúpulas e tratados é uma pressão que eu considero positiva para geração de dados na escala nacional pelos governos.

Como a produção de dados sobre a Amazônia se reverte em ações de preservação da floresta? Qual o efeito prático desse acompanhamento?
Com dados atualizados e informações que são geradas a partir da análises, é possível ter diagnósticos mais precisos da situação. Sabemos que o desmatamento está em alta, com a maior taxa em relação aos últimos 10 anos, quando o Brasil teve mais controle. Esse é um sinal de que o país não está em uma trajetória de sustentabilidade. Então, ao reafirmar isso, vários setores da sociedade brasileira, inclusive setores mais avançados do agronegócio, começam a se posicionar em relação a esses indicadores. O desmatamento não é bom para o Brasil, a gente não precisa mais manter esse ciclo que impulsionou o avanço da fronteira agropecuária na Amazônia. Já temos área aberta o suficiente. Então, com esses dados, é possível ter o diagnóstico do problema e pensar ações preventivas. Entender quais os riscos e tentar evitar a tendência que está sendo mostrada pelos dados.

Outra coisa é informar a sociedade, aí acho que é o ponto crucial. Na área acadêmica, o entendimento do problema é bem claro, mas o cidadão comum também precisa entender. Temos um desafio de comunicação. Quando a sociedade começa a ter essa real dimensão do problema, começa a se manifestar. Já foram feitos levantamentos no Brasil, pesquisas de opinião, e o brasileiro gosta do meio ambiente, zela pela natureza. Então, ele pode se posicionar, cobrar dos governantes e congressistas, e também sinalizar que não vai comprar um produto que tenha conexão com o desmatamento ilegal. Você começa a ter uma sociedade mais consciente na medida em que temos boas informações e as traduzimos para o cidadão comum.

Além disso, essas informações precisam chegar nos municípios, sair da escala macro para a escala local. Os municípios ficam muito isolados, fora desse radar de acesso aos dados. Então, o Imazon faz um esforço muito grande de conectar essas informações aos atores locais, um trabalho que vai além do monitoramento, que envolve a divulgação estratégica. Já conseguimos reverter tendências de alta de desmatamento quando conseguimos uma boa interlocução com a escala local, no passado, quando dezenas de municípios assinaram pactos pelo desmatamento zero aqui no Pará. E foi tudo a partir de dados gerados com método científico, transparência e replicabilidade.

Como os cidadãos podem participar desse processo?
Acho que temos uma lacuna entre a geração de dados e a produção de informação para a sociedade. Precisamos ter uma ligação mais forte. Diferentes plataformas e redes sociais podem ajudar muito e já temos movimentos bem interessantes nesse sentido. Essas informações também precisam chegar nas escolas, onde é formada a base de uma consciência ambiental. Isso chegando nas crianças, podemos ter uma geração mais consciente e mais ativa. Além disso, precisamos inovar na área de ciência de dados. Temos métodos analíticos, ferramentas computacionais e de visualização de dados, mas ainda há uma lacuna para transformar isso em uma informação mais simples. O ideal é que as pessoas possam chegar ao supermercado, escanear um produto e saber a origem dele e que tipo de pegada ambiental gerou. Se o produto é carbono neutro e se contribui efetivamente para uma comunidade que o produziu. Aí eu acho que vamos ter pessoas mais engajadas para buscar produtos que vão ter uma pegada socioambiental positiva.