Noções de verdade, mentira e fake news nas redes do clã Bolsonaro

Pesquisa analisou discursos compartilhados por Jair Bolsonaro e seus filhos em canais digitais no período de campanha eleitoral para o primeiro turno em 2022, a partir de dados coletados pela plataforma BolsoData

Em uma disputa eleitoral em que as plataformas de rede social se tornaram tão ou mais importantes do que os palanques públicos para convencer o eleitor de quem está com a verdade, analisar os sentidos dessa palavra nas discussões online ganha relevo para compreender o processo e o contexto democrático contemporâneo no Brasil. Quando essas narrativas são compartilhadas por influenciadores políticos, como os próprios candidatos e seus apoiadores mais destacados, o impacto na opinião pública adquire potencial ainda maior.

No caso de Jair Bolsonaro, atual presidente da República que concorre à reeleição pelo Partido Liberal (PL), a expressividade de seus filhos nas redes sociais é um ativo complementar para influenciar eleitores nos canais digitais, até porque eles também são detentores de mandatos parlamentares em nível municipal e federal. 

Com auxílio da plataforma BolsoData, coletamos postagens de Carlos, Eduardo, Flávio e Jair Bolsonaro em seus perfis oficiais nas plataformas Facebook, Instagram, Twitter e Youtube, além de mensagens por eles compartilhadas em canais públicos do aplicativo de mensageria Telegram, no período de 16 de agosto de 2022, data oficial do início da propaganda eleitoral, conforme calendário eleitoral oficial de 2022, até 2 de outubro de 2022 (inclusive), dia da eleição no primeiro turno. Foram filtradas postagens com menção aos termos verdade, mentira e fake news com o objetivo de compreender, a partir da técnica de Análise de Discurso, os sentidos de verdade produzidos pelo clã Bolsonaro durante a campanha. 

E conhecereis a verdade? 

Para a análise quantitativa dos dados, foram contabilizadas as menções a cada termo selecionado — verdade, mentira e fake news — em cada conta ao longo do tempo, visando identificar tendências entre os diferentes atores da família Bolsonaro em cada plataforma, bem como os períodos de maior intensidade na discussão em torno desses termos durante a campanha eleitoral e as principais palavras relacionadas a cada um dos termos de interesse do estudo.

Gráfico 1: O termo verdade teve 125 menções no período, mais que o dobro dos demais 

Entre os termos selecionados para análise, a palavra “verdade” foi a que mais se destacou, sendo citada 125 vezes no período (58,14% em relação ao total da amostra), enquanto a palavra “mentira” foi citada 58 vezes (26,98%) e “fake news” teve 32 menções (14,88%), considerando as postagens de todo o clã Bolsonaro em todas as redes raspadas pela plataforma BolsoData. 

Gráfico 2: Twitter é a rede social com maior incidência dos termos analisados 

A rede social com maior atividade do clã Bolsonaro em torno dos três termos analisados foi o Twitter, com 108 resultados (50,23% do total), seguida por Telegram, com 55 resultados (26,05%), Facebook com 35 (16,28%) e Instagram com 13 (6,05%). No YouTube, a busca pelos termos verdade, mentira e fake news no período analisado trouxe apenas 4 resultados (1,86%), o que pode ser um indicador limitado, uma vez que são raspados apenas dados contidos no título do vídeo, não o conteúdo do vídeo em si.

Gráfico 3: Eduardo Bolsonaro concentra quase metade das menções aos termos analisados

Dentre todos os membros do clã Bolsonaro, o que mais utilizou os termos verdade, mentira ou fake news em suas postagens no período analisado foi Eduardo Bolsonaro, com 99 ocorrências coletadas (46,05% do total da amostra), sendo a maior parte delas citando a palavra verdade, com 53 ocorrências de um total de 99 citações aos termos pesquisados nas redes de Eduardo Bolsonaro. A atuação do deputado federal em específico reforça a tendência do clã em seu todo: a construção de uma narrativa própria sobre a “verdade”. Vale considerar que Eduardo era o único dos filhos do presidente disputando cargo nas eleições 2022, sendo reeleito deputado federal pelo PL-SP.

Gráfico 4: Debate na Band e discurso na ONU transformado em ato de campanha repercutem nas redes do clã

No período entre 16 de agosto, início da propaganda eleitoral, e 2 de outubro, dia da eleição em primeiro turno, houve maior movimentação nas redes do clã Bolsonaro em torno dos termos analisados em 29 de agosto, com 24 citações contabilizadas (11,16% do total da amostra). A data coincide com a repercussão do debate na Band, que foi realizado na noite anterior, em 28 de agosto, sendo o primeiro debate entre presidenciáveis da campanha eleitoral de 2022. As citações nesse período enfatizam a ideia de “falsas promessas” confrontadas com a “verdade”.

Outra data que se destaca no período é 20 de setembro, quando o presidente Jair Bolsonaro discursou na Assembleia Geral da Organização das Nações Unidas (ONU), em Nova York. O discurso causou grande repercussão internacional e foi criticado pelo tom de campanha adotado por Jair Bolsonaro em uma manifestação oficial como presidente da República. Nas redes da família Bolsonaro, a narrativa foi de que o presidente “mostrou a verdade ao mundo”. Entre todos os perfis do clã, 15 citações (6,98% do total da amostra) aos termos verdade, mentira e fake news se concentram nos dias 20 e 21 de setembro.

Chama atenção que os termos pesquisados não são citados em postagens coletadas pela plataforma BolsoData nos dias 1º de outubro (véspera da eleição) e 2 de outubro (dia da votação). Uma inferência possível é que tenha havido certo zelo com infrações à lei eleitoral, para evitar bloqueios nas plataformas por violação de regras ou tagueamento de posts como desinformação.

A “verdade” segundo a família Bolsonaro

Gráfico 5: Nuvem de palavras gerada a partir das postagens que citam “verdade”

Na etapa qualitativa do estudo, empreendemos a análise discursiva das postagens, por meio da metodologia de Análise do Discurso, visando a encontrar os sentidos produzidos pela família Bolsonaro sobre os termos analisados. As mensagens foram classificadas conforme as formações discursivas (temas escolhidos) e as sequências discursivas (termos iguais ou mesmo diferentes que possuam o mesmo sentido). 

Com base na Análise de Discurso de linha francesa, sobretudo nos estudos do autor Patrick Charaudeau e de Eni Orlandi, e nos conceitos de Formação Discursiva e de Sequências Discursivas, desenvolvido por Michel Foucault, nossa pesquisa procurou identificar as formações discursivas relacionadas ao termo verdade, identificado como o mais recorrente na etapa quantitativa. Posteriormente, identificamos também as sequências discursivas que davam sentido à formação discursiva de verdade

Foram identificadas 107 postagens com a palavra verdade, as quais somam 125 citações a esse termo no período. A partir do conteúdo dos posts, foram encontradas 16 sequências discursivas (SDs). Importante salientar que, se somada a quantidade de ocorrências de cada sequência discursiva, o resultado será maior do que o total de postagens da amostra, isso porque boa parte das SDs referia-se a sentidos nucleares diferentes:

Gráfico 6: Classificação de sequências discursivas (SDs) nas postagens que citam “verdade”

A título ilustrativo, destacamos postagens exemplares das quatro sequências discursivas mais recorrentes:

Verdade

De acordo com a metodologia empregada neste estudo, um termo pode tanto ser considerado como uma Formação Discursiva (FD) e também como uma Sequência Discursiva (SD). É o caso do termo verdade, que abrange todas as postagens coletadas, mas também possui um sentido nuclear específico de postagens confirmando ou retificando determinada informação. Nesta sequência discursiva, percebe-se o uso do termo principalmente para reposicionar a “verdade” quando o candidato Jair Bolsonaro e sua família são confrontados em postagens de terceiros ou na imprensa, como no exemplo abaixo, em que Flávio Bolsonaro compartilha propaganda eleitoral de Jair Bolsonaro contestando reportagem do UOL que revelou a compra de 51 imóveis com dinheiro vivo por membros da família.

Print de postagem do Telegram recuperada pela plataforma BolsoData

Lula

A segunda sequência discursiva mais recorrente é o nome do candidato da oposição a Jair Bolsonaro na campanha presidencial — Luiz Inácio Lula da Silva (PT), com 14 ocorrências. No geral, o tom é de posicionar o adversário como mentiroso, na tentativa de reforçar que quem está com a “verdade” é Bolsonaro, como no post abaixo:

Imprensa

O termo imprensa se destaca como terceira sequência discursiva mais recorrente, em 12 registros. O questionamento ao trabalho da imprensa foi uma marca dos discursos de Jair Bolsonaro desde o início de seu mandato presidencial, sendo muitas vezes endossado ou até mesmo iniciado pelos filhos nas redes sociais. Diversos monitoramentos buscam dimensionar a restrição da família Bolsonaro a jornalistas em suas redes, como é o caso da Associação Brasileira de Jornalismo Investigativo (Abraji), que contabilizou 157 jornalistas e 12 veículos de comunicação bloqueados pela família Bolsonaro no Twitter entre setembro de 2020 e agosto de 2022. No recorte analisado, a imprensa surge como “inimiga” nas postagens, supostamente atuando em defesa do adversário de Jair Bolsonaro na cobertura da campanha presidencial, como no exemplo:

Bolsonaro

Em seguida, uma sequência discursiva com alta frequência nos registros é o próprio sobrenome: Bolsonaro, com 11 ocorrências. Nesse caso, sempre para exaltar o candidato à reeleição presidencial e sua família, como nos exemplos:

Print de postagem do Telegram recuperada pela plataforma BolsoData

Considerações

No geral, a análise das postagens com menções à palavra “verdade” mostra que o clã Bolsonaro busca reposicionar a “verdade” para seus seguidores, contrapondo manifestações do adversário na campanha presidencial (Lula) e da imprensa de forma a ratificar que é Bolsonaro quem está com a “verdade”. No entanto, esse questionamento se dá apenas por meio do reforço do próprio discurso, sem adicionar elementos de comprovação dos desmentidos. 

Nota-se, portanto, que o esforço é meramente retórico, sem uma intenção discursiva clara que remeta a métodos e técnicas de checagem factual, com base na apresentação de evidências. Assim, quando mencionam verdade, mentira ou fake news, os membros da família frequentemente geram ou potencializam desinformação. 

Vale considerar que outros estudos estão em andamento no âmbito do Núcleo de Estudos em Jornalismo de Dados e Computacional – DataJor (IDP/CNPq), buscando analisar comparativamente os sentidos de desinformação presentes nos perfis oficiais no Twitter dos dois principais concorrentes à presidência da República – Jair Bolsonaro (PL) e Luís Inácio Lula da Silva (PT). Dessa forma, será possível estabelecer relações entre as estratégias discursivas de ambos os concorrentes que protagonizaram a disputa presidencial em 2022.

*Este estudo foi produzido por Carolina Timm, Juliana Coin, Sérgio Trein e Taís Seibt com apoio de microbolsa concedida pela plataforma MetaMemo. O estudo é parte de projeto de pesquisa do Núcleo de Estudos em Jornalismo de Dados e Computacional – DataJor (IDP/CNPq).