O Cerveja com Dados voltou a Porto Alegre colocando na mesa três temas para debate: os desafios da indústria 5.0 no Brasil, a baixa presença de professores negros nos quadros das universidades gaúchas e a realização do Censo 2022 com dois anos de atraso. O evento aconteceu na terça-feira, 13 de setembro, no Lagom Brewery & Pub, com direito a desconto no pint de blond e hamburguer com fritas de brinde. Cerca de 40 pessoas participaram desta que foi a terceira edição do evento na capital gaúcha, com organização de Afonte Jornalismo de Dados, Matinal Jornalismo e Padrinho Conteúdo.
A primeira fala foi de Aline Aurich, que é cientista de dados com experiência em otimização de processos industriais nos setores de alimentos, minas e energia, celulose e papel, utilizando técnicas de Inteligência Artificial, Data Mining, Machine Learning, Deep Learning e Data Storytelling em seu processo de trabalho. Pós expediente, ela gosta de aperfeiçoar seus conhecimentos teóricos de Beer Sommelier e cachacier na prática, in loco, no bar. E foi usando como fio condutor a “didática etílica” que Aline conduziu a apresentação dos desafios para a Indústria 5.0 no Brasil citando exemplos da indústria cervejeira. Tais como a criação de receitas de cerveja Kensington por meio de algoritmos, validados por um mestre-cervejeiro, e a personalização de receitas da Inteligentx a partir de um app que faz perguntas ao consumidor sobre suas preferências – se o mestre-cervejeiro valida a sugestão, quem sugeriu recebe um lote personalizado.
“Na Indústria 5.0, a ideia é não superestimar o robótico, e sim valorizar a colaboração com os humanos, dentro de um conceito de cobot”, explicou Aline. No contexto industrial brasileiro, no entanto, esse processo ainda engatinha: o cenário é de transição do 3.0 para o 4.0, ou seja, o processo de automação ainda está em estágio inicial de desenvolvimento.
Onde estão os professores negros?
A segunda fala da noite foi do jornalista, mestre e doutorando em Comunicação pela PUCRS Wagner Machado, que pesquisa as relações do negro na comunicação e na educação. Formado em Letras e Jornalismo, Wagner trabalha no setor de Comunicação da Faculdade de Educação da UFRGS, é especialista em Gestão Cultural e em Comunicação Pública, já trabalhou como repórter em diversos veículos jornalísticos e como assessor de imprensa em órgãos públicos do RS.
Ao iniciar a apresentação, o jornalista lançou a pergunta ao público: quantos professores negros vocês tivemos na escola ou na universidade? Zero foi uma resposta comum, parte do público respondeu um ou dois, no máximo. Em sua pesquisa, Wagner buscou dados sobre professores com doutorado nos cursos de Comunicação do Rio Grande do Sul. “Os professores do futuro são os doutores de agora”, justificou.
De 2015 a 2020, segundo o levantamento do pesquisador, 400 pessoas iniciaram doutorado em Comunicação no RS, sendo somente 30 pessoas negras (7,5%); de 71 professores nos programas de pós-graduação no período, apenas dois eram negros. Na graduação, o cenário pouco muda: de 754 professores na Comunicação em universidades, faculdades e centros universitários no RS, havia somente 20 negros. “Esse é mais um reflexo do racismo estrutural, que está presente também na falta de bibliografia de autores negros e indígenas, todo nosso ensino é muito eurocêntrico”, provocou o pesquisador.
Censo 2022 e o “apagão de dados” no Brasil
Para fechar a rodada de debates, os técnicos do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE) Sônia Zanotto e Felipe Prestes falaram da importância do Censo 2022. Com doutorado em Educação em Ciências, mestrado em Comunicação e Informação e graduação em Biblioteconomia e Documentação, Sônia é tecnologista de Informações Geográficas e Estatísticas do IBGE e coordenadora de Divulgação do Censo 2022 no RS. Ela destacou a importância de falar sobre a pesquisa em um espaço que reúne usuários de dados, como é o caso do Cerveja com Dados. “A integridade e a confiança nas estatísticas oficiais é fundamental”, destacou, citando o princípio da relevância, imparcialidade e igualdade de acesso das informações do Censo, que segue um cronograma de divulgações para toda a população, incluindo microdados e dados abertos.
Jornalista formado pela UFRGS, com especialização em Estratégia e Relações Internacionais, Felipe Prestes atua como analista censitário no IBGE desde 2019, contratado para a cobertura do Censo Demográfico. Ele aproveitou o espaço para explicar as diferenças dos questionários do Censo – o básico, com 26 questões; e a amostra, com 77 perguntas – e frisou a importância da pesquisa para as políticas públicas do país. “Contar a população é necessário para saber quantas crianças de zero a seis anos em cada
cidade precisam ser vacinadas”, exemplificou. A cota do fundo de participação dos Estados e municípios e até mesmo o número de vereadores de uma cidade é determinado pelo Censo, e mesmo a iniciativa privada pode usar dados censitários para projetar a instalação de fábricas, supermercados, creches, restaurantes e outros negócios.
Os profissionais distribuíram materiais de divulgação sobre a pesquisa e enfatizaram a necessidade de colaborar com o processo, atendendo os recenceadores e atuando como multiplicadores da importância do Censo. “Estamos em meio a um apagão de dados, precisamos do Censo para conhecer a nova realidade brasileira”, concluiu Sonia após perguntas do público sobre o atraso da pesquisa em função da pandemia de Covid-19 e o impacto das mudanças sociais e tecnológicas ocorridas desde a última edição, em 2010.
Finalizadas as apresentações e debate, os participantes seguiram a confraternização com o tradicional networking do Cerveja com Dados. A noite de reencontros, já que o evento não ocorria em Porto Alegre desde 2019, já deixou a comunidade de dados porto-alegrense com sede para a quarta edição.
*Texto originalmente publicado no site da Escola de Dados