Por Taís Seibt*
Esta lista de cuidados contra desinformação sobre coronavírus (e outros temas) já estava em elaboração quando, na semana passada, fact-checkers brasileiros assinaram uma carta conjunta implorando: “Autoridades, parem de distorcer fatos”. Um apelo necessário diante da postura do governo brasileiro, baseada em uma falsa dicotomia entre saúde e economia que só existe na imaginação do presidente, alguns apoiadores e seu exército virtual empenhado em propagar a epidemia das “fake news” pelos grupos e redes digitais, na contramão das medidas defendidas por chefes de Estado do mundo todo contra a pandemia do coronavírus.
Em outra carta, a da editora-chefe do Grupo Matinal, Marcela Donini, as inverdades espalhadas por Osmar Terra, numa cruzada para enfraquecer o ministro da Saúde, Luiz Henrique Mandetta, foram desmentidas num interessante exercício de diferenciação entre o que é fato e o que é opinião, que me fez lembrar uma oficina de letramento midiático que ministrei em Pelotas para um grupo de idosos com ajuda de estudantes de Jornalismo da UFPel.
Desde o início de março, tenho respondido pedidos de colegas de emissoras locais de rádio e televisão, agências de notícias do interior do RS e até assessores de imprensa de instituições em busca de esclarecimentos sobre como escapar dos conteúdos enganosos na quarentena. Atendo (quase) sempre porque é importante pensar que, em comunidades menores, que têm menos jornalismo profissional e são mais propensas a redes de confiança pelo contato interpessoal – o primo que trabalha no hospital, a amiga que é funcionária da prefeitura, o irmão que é vereador, etc. – a desinformação pode ser ainda mais nociva. Eu já vinha pensando e falando sobre isso em cursos e palestras voltados às eleições municipais de 2020.
Neste texto, entro em detalhes sobre os cuidados contra desinformação. Alguns podem até parecer tolos para usuários mais avançados, mas, por experiência, como aquela lá em Pelotas, tenho certeza de que não são tão óbvios assim para muitos internautas. Trago exemplos ilustrativos para ajudar a compreender no que, afinal, é preciso prestar atenção. Uma versão bem resumida está disponível em áudio neste spot disparado para rádios do interior gaúcho, produzido em parceria com a Padrinho Conteúdo. Vamos aos cuidados:
1. Manchetes apelativas, com palavras em caixa alta e/ou uso de pontos de exclamação são indicativo de conteúdo de baixa qualidade. Se tiver algo como “repasse aos seus contatos” no final, mais atenção ainda.
Medidas para restringir o compartilhamento em massa de mensagens nos aplicativos de conversa, como WhatsApp, estão sendo tomadas. Não é por acaso. Essa estratégia é bastante comum em campanhas de desinformação, principalmente as que se apoiam em “teorias da conspiração”, aquelas mensagens que sugerem que alguém (o governo, a mídia) está escondendo algo de você, ou então receitas de cura milagrosa. Essas mensagens se espalham rapidamente com a colaboração de usuários que atendem aos chamados e encaminham ao maior número de contatos possível e em grupos dos mais diversos. A maioria deles baseados em relações de confiança – família, amigos, colegas – o que aumenta a probabilidade desses conteúdos serem aceitos como credíveis sem uma avaliação mais cuidadosa. É exatamente nisso que você deve prestar atenção. Você não sabe de quem seu amigo recebeu a mensagem, que outros grupos ele frequenta, quem faz parte desses grupos. Pense antes de compartilhar.
2. Confira a URL (o endereço do site), é comum sites mal intencionados usarem endereços similares ao de organizações reconhecidas.
Se a mensagem vem com link, confira o link. Muitas vezes a descrição resumida apresentada pelo aplicativo sugere que o conteúdo é de uma fonte confiável, mas pode não ser. Sites mal intencionados costumam cadastrar endereços muito parecidos com os de sites jornalísticos conhecidos ou mesmo de instituições públicas. Preste atenção no que está escrito na URL, o endereço do site (que aparece em azul na mensagem), veja se o nome do veículo está correto. É um detalhe que faz muita diferença.
3. Fique atento a erros ortográficos e vícios de linguagem.
Textos mal escritos, com muitos erros de ortografia ou de digitação são indicativos de baixa qualidade da informação. No caso de áudios, excesso de vícios de linguagem ou uso de palavras de baixo calão são sinais de alerta. Mas também não é uma regra. Alguém com ótima retórica, um ator, um imitador, pode passar muita confiança por meio de uma mensagem de voz. Áudios são muito difíceis de checar. Seria necessário usar recursos de reconhecimento de voz para rastrear autoria, por exemplo. Se você não conhece pessoalmente o autor de um áudio, se não tem o contato dessa pessoa salvo na sua lista, desconfie. E evite compartilhar áudio de qualquer tipo, pois você não tem o controle da circulação de um conteúdo depois que você passa ele adiante.
4. Veja se há um autor, uma pessoa que assina o conteúdo e busque saber sobre sua experiência na área.
Em complemento ao ponto anterior, busque saber quem está na origem da informação que você está recebendo. Se o autor se apresenta, com nome, sobrenome, cargo, uma busca no Google já poderá indicar se essa pessoa é realmente quem ela diz ser. Veja se há mais referências sobre esse autor na área que ele diz atuar e avalie se a mensagem, de fato, merece sua credibilidade. Pense duas vezes se vale a pena compartilhar e com quem.
5. Verifique se a mensagem indica fontes externas, cheque as fontes da informação.
Ainda, preste muita atenção nas fontes citadas na mensagem. Se há referência a uma instituição renomada, um órgão do governo ou um veículo de comunicação conhecido, busque os registros dessas fontes e cruze informações. Organização Mundial da Saúde, Ministério da Saúde, Caixa Econômica Federal, todos esses órgãos que estão envolvidos diretamente no combate à pandemia ou em políticas de auxílio, como é o caso da Caixa, têm canais oficiais na internet, sejam sites ou redes sociais. Confira esses canais, busque orientações nas fontes oficiais – e leve em consideração a dica 2, cheque se a URL está correta e se as informações do perfil batem com o órgão oficial. Perfis falsos estão surgindo aos montes para aplicar golpes financeiros. Fique atento.
6. Cheque as datas, veja se a data faz sentido. Se o conteúdo não tiver data atribuída, desconfie.
Mesmo em se tratando de uma fonte com credibilidade, é possível que ela seja citada de forma inadequada. Um exemplo recente foi a divulgação do vídeo antigo de Drauzio Varella, usado para sustentar a tese de que a Covid-19 não passa de uma “gripezinha”. O vídeo era de janeiro deste ano, o que levou alguns a questionarem os desmentidos com base na hipótese de que janeiro foi ontem. Acontece que estamos diante de um fenômeno desconhecido, que está sendo estudado e dimensionado em tempo real pelos cientistas, de modo que cada nova descoberta indica redirecionamento de condutas, medidas, políticas de controle. Então, quando digo para analisar se a data faz sentido, é preciso levar em conta de que se está falando. Para muitos temas, janeiro foi ontem, sim. Mas numa pandemia de um micro-organismo recém identificado, de que não se tem referência anterior, janeiro ficou lá atrás. É preciso dar sentido ao tempo, portanto. E conteúdos sem referência de data precisam sempre ser cruzados com outras fontes. Resgatar notícias velhas para alimentar o caos é uma prática de campanhas de desinformação.
7. Busque a informação em outras fontes, fique atento a incoerências ou distorções.
Se algum desses sinais de alerta aparecer na sua timeline, busque outras fontes. Compare como cada fonte trata a informação, fique atento a pequenas incoerências ou distorções. Às vezes é muito sutil. Sites que republicam conteúdo de outras fontes, por exemplo, podem trocar uma frase ou uma palavra ou apenas o título de um texto e dar a ele um sentido totalmente diferente do original. Sempre que possível, vá à origem, recupere os passos anteriores: avalie a autoria, a data, a credibilidade do que você está lendo, vendo ou ouvindo. Cuidado com o que você passa adiante. Você é responsável pelo que compartilha.
*Taís Seibt é jornalista, professora da Unisinos e doutora em Comunicação pela UFRGS, com pesquisa sobre fact-checking